Queres dar voz ao papagaio de papel de que nos fala o poema? Pensa na sua inquietação, nos seus sonhos, na sua ânsia de fugir…
O abrir de uma janela de contornos poéticos sobre um mundo que se vai afastando cada vez mais do que é autêntico.
Os meninos
Que jogam à bola na minha rua
Jogam com o Sol
E os pés dos meninos
São pés de alegria e de vento
A baliza uma nuvem tonta
À toa
Na luz do dia
E eu olho os meninos e a bola
Que voa
E ouço os meninos gritar: Go…o…lo!…
E não há perder nem ganhar
Só perde quem os olhos dos meninos
Não puder olhar
Matilde Rosa Araújo
Mistérios
Lisboa, Livros Horizonte, 1988
Quem são, a teu ver, aqueles que não podem olhar “os olhos dos meninos”?
Manuel Bandeira
Antologia Poética
Rio de Janeiro, José Olympio, 1989
Por que motivo, ali na feira, os balõezinhos de cor são a “única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável” para os meninos pobres?
História aberta
Era uma vez uma casa
Muito grande
Com um tecto sem fim
Nem sempre azul
Uma casa enorme
Onde habita uma grande família
Uma família tão grande
Que os seus irmãos julgam que não se conhecem
E todos se conhecem
E todos se devem amar
Nesta casa há guerra
E eu choro a um canto desta casa
Inútil choro
É terrível ouvir este próprio chorar
Matilde Rosa Araújo
Mistérios
Lisboa, Livros Horizonte, 1988
Aí está ele, passando revista às tropas
Com a sua armadura reluzente.
Os seus pés levantam ondas de poeira
E ninguém ousa fitá-lo de frente.
Na sua couraça quebram-se as lanças inimigas
E um gesto seu põe em fuga um exército inteiro
… Mas não pode dobrar-se para apanhar uma flor
Nem coçar as costas, o poderoso cavaleiro.
Álvaro Magalhães
O reino perdido
Porto, Ed. ASA, 2000